Évora: Ambiguae Editores, 2015.
Traducción María E. de Sousa
Portada Ana I. Reyna
Sobre a grave perda dos seus olhos
Aleta minha, Aleta
deixaste aqui os teus olhos
e eu já tarde quis devolver-tos mas já te tinhas ido
então quis ver com os teus olhos a ver se vias
campos de trigo ou canaviais
mas tenho que dizer-te Aleta minha
que estão enfermos os teus olhos estão enfermos
não se vê o sol que te desperta quando me mandas os beijos de Cortázar
não se veem os pássaros que cantam
quando ris e mordes a boca
dizendo não mas sim que tanto gosto.
Aleta minha, Aleta
não se vê o silêncio que se acumula quando fazemos amor
não se vê de onde vens nem aonde vais com tanto apuro
não me servem Aleta para saber se levas os pés direitos
se deixaste também os colares espalhados
e as meias onde não deves deixar as meias.
Aleta
lamento Aleta minha
estes dois olhos risonhos não estão senão cansados
querem dormir um pouco e aninham no meu peito
e não sei que fazer com eles
não sei se os guarde num cofrezinho de prata que tenho
não sei se os ponha numa redoma como os de uma santa com a qual não te pareces
não sei se os junte a este poema
ou se os ponha e sair à rua a ver passar a gente que nada sabe
Aleta, Aleta minha
porque o único que vejo com eles é a mim mesmo
beijando-te acariciando-te vendo-te despindo-te tocando-te
olhos então meus Aleta cega
Aleta sem olhos que são olhos meus
Aleta inocente deixando os olhos e complicando a vida onde procurá-los
Aleta espero-te com os teus olhos adormecidos
para que este sonho não desperte tão cedo.